terça-feira, 24 de maio de 2011

Isso É Tão Gay.

O reconhecimento da união homoafetiva.

As cretinices do deputado Bolsonaro.

O beijo gay na novela.

O respeito à diversidade sexual nunca teve momento tão propício para discussão no Brasil.

Enquanto por aqui o STF deu um passo histórico e avançou léguas em direção ao norte idealizado por todos quando pensamos em direitos humanos, lá nos Estados Unidos, onde apenas cinco estados reconhecem a união legal entre indivíduos do mesmo sexo - e a Califórnia não é um deles -, dois fatos recentes me fizeram pensar sobre como o esporte lida mal com a questão do homossexualismo - aqui e lá.

Há duas semanas, na série contra o Dallas Mavericks, Kobe Bryant, um dos mais famosos atletas do mundo, foi flagrado pelas câmeras de tv resmungando ofensas do banco contra um dos árbitros daquela partida - uma das quatro surras levadas pelos Lakers que fizeram o astro do time experimentar um nível de frustração considerável.

O pecado de Kobe foi ter usado a palavra fagot, que seria o nosso bicha ou viado. Acabou multado pela NBA em 100 mil dólares, mesmo tendo se retratado pela ofensa.

Domingo, na derrota dos Bulls para o Miami Heat, Joakim Noah, pivô do Chicago, estava sentado no banco de reservas quando ouviu de um torcedor do time da casa uma ofensa dirigida à sua mãe. Torcedor, diga-se, que estava sentado a uns três metros dele, que respondeu com um sonoro "foda-se, viado" e, assim como Kobe, foi pego pelas lentes da tv. Depois de muita celeuma - imaginem, na América, dois casos assim em duas semanas, que prato cheio -, com jornalistas defendendo multa ainda maior ou mesmo uma suspensão, Noah ficou 50 mil dólares menos rico. Filho do ídolo do tênis Yannick Noah, com raízes em Camarões, criado bem no meio do SoHo, em NY, Joakim é um dos atletas mais antenados e multi-culturais da liga, apesar da idade. Um jovem que teve berço de ouro, bem diferente do estereótipo vim-do-gueto-sou-o-alfa-aqui-porra. Antes mesmo da multa, pediu desculpas publicamente. Explicou que não quis ofender ninguém, que foi apenas um xingamento comum em resposta a outro bem mais grosseiro. Mas não foi menos crucificado por isso.


O que me leva ao caso Michael, central do time do Vôlei Futuro. Aquele que, na primeira partida das semifinais da Superliga, em Contagem, foi ofendido pela torcida do time da casa, o Cruzeiro. Michael é homossexual assumido.

No entendimento do STJD, através de decisão do relator do processo, Luiz Tavares, o caso foi enquadrado no artigo 243-G (praticar ato discriminatório, desdenhoso ou ultrajante, relacionado a preconceito em razão de origem étnica, raça, sexo, cor, idade, condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência), parágrafo 2º do Código Brasileiro de Justiça Desportiva que diz respeito a torcedores. O Cruzeiro acabou multado em 50 mil reais. A pena mínima era 100, a máxima, 100 mil. O Vôlei Futuro ficou pelas semifinais, o campeonato acabou e ninguém fez enorme questão de aprofundar a discussão sobre o fato, frágeis que são esses ovos.

Na época, meu primeiro pensamento foi: fodeu, agora todo clube de futebol será multado quando jogar em casa contra o Atlético Mineiro do Richarlyson - que não é homossexual assumido. Ou será que a regra, pro STJD, vale para o vôlei e não para o futebol? Ou será que só se trata de homofobia quando a ofensa é dirigida a um homossexual que tenha saído do armário? E se eu xingar meu irmão de viado na pelada, posso ser preso? Aliás, sair do armário é uma expressão politicamente correta ou estarei sendo homofóbico?

E usar uma pitada de ironia nesse texto, eu ainda posso?

Numa boa: é necessário, nesse amplo território que continua a se abrir na medida em que nos habituamos à diversidade do novo milênio, termos também muito cuidado com os excessos.

Porque eu não conheço um único torcedor de arquibancada, seja do esporte que for, que não xingue, grite e faça sua catarse quando torce por seu time. O que inclui chamar o homem do apito de filho da puta quando ele erra, o atacante adversário de viado quando ele simula pra ganhar tempo e cantar no ritmo dos tambores da torcida aquelas músicas com elogios impublicáveis às organizadas adversárias e à PM.

Na minha opinião, o esporte é espaço para isso e seu universo, até ontem, sempre soube lidar com essas permissões de maneira hábil. O que me faz pensar sobre como a mídia e o STJD fariam, hoje, com um árbitro como o saudoso Jorge Emiliano, o Margarida, que apitava na primeira divisão do futebol brasileiro na década de 80 e, entre outras polêmicas, agrediu uma jogadora em 1989. Ou como seria se todos os atletas gays decidissem, de uma hora para outra, sair do armário. Porque, numa boa, depois de quinze anos trabalhando com esporte, eu ainda me espanto como esse parece ser um universo exclusivamente hetero aos olhos da maioria. O que, na realidade, está longe de ser, como qualquer outro setor da sociedade.

Provocações de conteúdo sexual são inerentes ao universo masculino. Meninos se provocam, jovens, homens adultos também. É normal que levem isso para o esporte, sejam atletas ou torcedores. Acontece naturalmente. E, por isso, eu acho que o Cruzeiro jamais deveria ter sido multado se a torcida mineira tivesse ficado apenas no coro de "Bicha!", que pode nascer espontaneamente em qualquer estádio ou ginásio. E aí, pra mim, tanto faz se o coro é pro Michael, pro David Beckham, pro Bebeto ou pro Richarlyson.

Mas é mesmo muito complicado, hoje, o limite entre o aceitável e o condenável. Já é a coisa mais normal do mundo - ainda bem - que dois homossexuais se encontrem numa loja de conveniência e se cumprimentem efusivamente desta forma: "Bicha! Há quanto tempo!". A mocinha do caixa acha graça, o senhor na fila solta um sorriso de canto de boca. Mas, se na mesma loja, eu virar pra um amigo e mandar um "Deixa de ser viadinho", por qualquer motivo, certamente serei visto por alguém como um porco preconceituoso, quiçá um monstro homofóbico.

E eu não sou.

E o termo é usado por todos que conheço, das mais diferentes formas, e nem por isso as pessoas estarão querendo realmente ofender alguém quando o usam.

É aí que, me parece, está o grande problema. Na busca pelo politicamente correto, há dois caminhos: 1) surge o heterofóbico, aquele que enxerga homofobia onde não há e 2) abre-se caminho para que qualquer um acredite que ser politicamente incorreto é o que há, como escreve muito bem em seu blog no site do Estadão o sempre bom Marcelo Rubens Paiva. Eu concordo plenamente com o que ele defende - na distância entre o 8 e o 80, confunde-se liberdade de expressão com apologia ao uso de drogas, bom (ou mau) humor com falta de respeito. E, para cada caso, há um limite de tolerância diferente.

Então vamos combinar o seguinte: nem lá, nem cá; nem o exagero, nem o vale-tudo; nem heterofobia, nem muito menos a homofobia - fico com o respeito ao próximo, seja qual for sua crença, raça ou orientação sexual. Porque a vigilância exagerada, nesses casos, pode ser, sim, nociva. Ou até ridícula, como no caso envolvendo Kobe e Noah, em que a NBA passou a seguinte mensagem: sabemos que, num jogo, há palavrões o tempo todo e também xingamentos. Mas usar a palavra fagot está proibido, ok? Prefiram motherfucker, cocksucker, son of a bitch etc. E lembrem-se - cuidado com as câmeras.

E assim eu posso continuar sendo um fã de South Park sem me sentir mau por isso.

4 comentários:

Cacá disse...

Muito bom!!!

Anônimo disse...

engraçado eu chegar a esse seu texto no mesmo dia em que vi as novas peças publicitárias do governo contra a homofobia: numa dois amigos num bar e um deles fala pro outro: 'tá vendo aquelas duas bichinhas ali?"

o lance do preconceito não tá no vocabulário embora algumas pessoas se sentem ofendidas por certos termos como o ´viadinho´ que vc cita no texto. eu sou negro e chamo meus amigos de ´negão´. sou preconceituoso por isso? eles não ligam claro, eu tb não. mas isso tira o direito de um branco me chamar de negão? preciso me sentir ofendido por isso? parece aquela história sobre o uso da palavra 'nigger' nos eua a alguns anos atrás.

o preconceito tá na atitude e nas cabeças das pessoas e essa onda do politicamente correto é mesmo muito chata. as melhores piadas de judeu que conheço foram contadas por judeus e por aí vai. muito boa sua visão.

Bolinho disse...

Pois vou te falar o que mais me choca: saber que o filho do Yannick Noah joga na NBA!! e Mais, pensar que tô tão velho que metade das pessoas não vai saber - ou lembrar - quem foi Yannick Noah!! AARF!!

Edu Mendonça disse...

@Bolinho Metade?

@Anônimo É bem por aí.

@Maria @Cacá Sejam bem vindos.